RUBENS RICUPERO
Câmbio mata
Parecem estar contados os dias de saldo comercial; é bom apertar os cintos para o mergulho na montanha-russa.
O CÂMBIO já está estrangulando o setor de maior tecnologia e valor agregado de nossa indústria (eletrônica, farmacêutica, química, automobilística e maquinaria). Apenas nos três primeiros meses do ano esse setor teve o chocante deficit de US$ 13,6 bilhões, maior do que em todo o ano de 2006 e superior em 42% ao do mesmo período do ano passado.
Os dados do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) servem de necrológio à indústria brasileira, mostrando que o câmbio continua sendo tão mortal como no tempo da advertência de Mário Henrique Simonsen. A tendência está colada à apreciação do real e ao declínio do saldo comercial em geral, que em abril foi o menor em oito anos, tendo caído nada menos que 65% em comparação ao de abril de 2009.
Aliás, parecem estar contados os dias de saldo comercial, uma vez que as importações estão crescendo em ritmo quase duas vezes maior do que as exportações (65% ante 23%).
É bom apertar os cintos para o mergulho na montanha-russa, já que o fim do saldo comercial elimina o único fator que compensava em parte o aumento vertiginoso de todos os demais componentes do deficit em conta-corrente.
Essa é a cara oculta da atual euforia com o crescimento puxado somente pelo consumo do governo e das pessoas, com baixa poupança e pouco investimento. Cada vez se depende mais de recursos de fora para cobrir o buraco, e a desindustrialização precoce entra no segundo estágio de agravamento. No primeiro, as importações substituem os componentes locais, mas o produto continua a ser montado no Brasil; no segundo, importa-se o produto pronto e as indústrias se tornam meras distribuidoras e prestadoras de assistência.
A situação tende a piorar com as elevações de juro que o Banco Central terá de realizar para segurar o superaquecimento do consumo. As previsões de que no fim do ano o dólar se aproxime de R$ 1,60 ou menos vão sacrificar ainda mais os manufaturados. Até agora a valorização dos primários pela demanda da China tem atenuado a deterioração do comércio exterior. É um erro, porém, imaginar que as commodities aguentam qualquer valorização da moeda.
Tenho idade bastante para me lembrar do tempo em que quase todos os produtos primários brasileiros eram gravosos, isto é, seu custo de produção superava, devido ao câmbio, o preço internacional.
Quando as cotações também caem, como sucede no momento com muitos produtos agrícolas, a renda do campo sofre duplo golpe: preço e câmbio.
De onde poderá vir o socorro às contas externas se o panorama negativo se acentuar, como vem acontecendo há anos? Do petróleo? É o que já ocorre, como mostra Raquel Landim em perceptivo comentário em "O Estado de S. Paulo" (4/5/10).
Nele se aprende que o petróleo passou a ser o principal item das exportações, quase 10% do total! Sem ele, as vendas externas cresceram apenas 16%, agravando o descompasso com o aumento das importações.
Está aí um bom tema para o debate eleitoral. Em vez da discussão pueril sobre qual governo foi melhor, por que não debater como evitar que o Brasil vire uma grande Venezuela, onde 96% das exportações vêm das commodities? Sem mexer no câmbio, como melhorar a competitividade? Com esses juros? Com a infraestrutura em pedaços? Com carga tributária o dobro da da China? Com a redução da semana de trabalho?
RUBENS RICUPERO, 73, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco).
Sunday, May 16, 2010
Thursday, January 21, 2010
TENDENCIAS BRASIL 2010 - OPTIMISMO EN LA ECONOMIA
Tendências 2010: IDEIAS
No Brasil, 2010 será marcado pelo otimismo na economia e pela expectativa em relação à eleição presidencial. No mundo, a China seguirá crescendo como potência econômica e política -- como provou em Copenhague.
BRASILUm ano decisivo para o país-- André Lahóz
É um ciclo que se encerra. O oitavo e derradeiro ano sob a batuta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva dá início à frenética corrida pela sucessão -- e, para usar a cruel imagem sobre os costumes de Brasília em fins de mandato, nem mesmo a incrível popularidade de Lula deverá impedir que o café que lhe será servido em 2010 vá gradualmente esfriando com o passar do tempo. Enquanto isso, a cada mês deve aumentar a bajulação aos postulantes mais competitivos na disputa pelo primeiro cargo da nação. Nada a estranhar. É da própria natureza da política antecipar o deslocamento do poder. O que há de notável no ano que se inicia é a percepção generalizada de que, sejam quais forem as escolhas do eleitorado, a vida no futuro será muito parecida com a de hoje. Contratos serão respeitados. A moeda será preservada. As empresas seguirão produzindo -- eis o cenário com que trabalham dez entre dez especialistas em finanças internacionais. Mais do que uma aposta puramente econômica, eles confiam num salto qualitativo da sociedade brasileira. Ao conseguir descolar os ambientes da política e da economia, o Brasil tornou-se bem mais parecido com países em estágio de desenvolvimento muito superior. Num mundo que ainda lambe as feridas da crise financeira, oferecemos uma combinação irresistível de estabilidade com crescimento num ambiente de democracia plena.
Como deve evoluir a economia brasileira daqui para a frente? Todos os prognósticos indicam um ano próspero -- as estimativas são de crescimento forte, um dos mais robustos dos últimos tempos. Ao longo de 2009, empresas dos mais diferentes setores ajustaram para baixo a produção na tentativa de desovar estoques acumulados após a eclosão da crise financeira. O corte de produção cobrou seu preço -- o PIB chegou a cair em dois trimestres e deve fechar o ano com crescimento nulo. O lado bom dessa história é que o consumo interno se recuperou antes do que muitos imaginavam -- ao fim e ao cabo, 2009 acabou melhor do que se acreditava. O ano de 2010, portanto, começa com uma combinação promissora: poucos estoques e muita demanda. É sinônimo de produção em alta. As empresas devem operar em ritmo bem acima do normal para essa época do ano. E isso estimula o emprego e o investimento.
Também deve aumentar a efervescência no meio empresarial. Nesse sentido, a criação de um gigante no varejo englobando as lojas de Pão de Açúcar e Casas Bahia pode ser vista como um indício do momento atual do mercado. As operações de fusões e aquisições, que saltaram de 10 bilhões de dólares em 2002 para 95 bilhões em 2008, despencaram em 2009 -- de janeiro a novembro o volume foi de 54 bilhões. Agora, a expectativa é de um novo crescimento, ainda que não se volte ao patamar recorde de 2008. Também devem ser retomados os negócios no mercado de capitais. Os IPOs e as ofertas de ações em bolsa, que somaram pouco mais de 3 bilhões de dólares em 2004, chegaram a 35 bilhões em 2007. O volume caiu para cerca de 20 bilhões de dólares em 2009 -- e executivos de mercado esperam um crescimento de até 40% em 2010. Alguns setores devem ser particularmente beneficiados com o reaquecimento da economia -- com destaque para o de petróleo e gás. O Brasil já começa a ser incluído nas listas dos países petroleiros mais promissores, a ponto de frequentar, ao lado de Rússia, Iraque, Nigéria e Cazaquistão, o recém-criado acrônimo Brink, que reúne as nações onde se espera produção crescente nos próximos anos.
Todas essas projeções indicam que, ressalvado o aspecto inerentemente imprevisível das atividades humanas, 2010 é um ano considerado ganho de antemão pelos principais analistas da cena econômica. O risco, aliás, são os problemas advindos do próprio sucesso. Por todos os ângulos, o que se vê são forças estimulando a economia. O governo aumentou os gastos logo após a crise -- e essa despesa continua crescendo. O consumo das famílias e das empresas está em forte expansão. O investimento, que despencou em 2009, deve pelo menos voltar ao patamar pré-crise. O mundo continua querendo os produtos brasileiros. Se nada for feito, o país corre o risco de transitar diretamente para um cenário de superaquecimento econômico -- o que leva muitos analistas a prever altas de juro, ainda que moderadas, nos meses à frente. De certa forma, o bom momento do Brasil deve explicitar problemas históricos que não foram sanados -- a baixa poupança, o estado deplorável da infraestrutura, a falta de mão de obra qualificada para sustentar o crescimento. Um novo ciclo político está prestes a ser inaugurado, com a saída de cena -- talvez momentânea -- do presidente Lula. Será preciso muito trabalho de seu sucessor para manter o país no patamar recém-conquistado e, esperamos, alçá-lo ainda mais.
Empate por zero a zero não é resultado que a torcida brasileira goste de comemorar. Mas, no campo da economia, o fato de o Brasil ter atravessado um ano de turbulência financeira global sem crescimento virou motivo de celebração. Afinal, o desempenho é notavelmente melhor que o conseguido em confusões passadas e também superior ao de muitos outros países, em particular os desenvolvidos. Melhor ainda, os indicadores mostram que estamos a caminho de marcar uma goleada em 2010. Na busca das razões de nosso relativo sucesso em 2009, é curioso notar que itens normalmente associados à lista de problemas nacionais -- gigantismo do governo, voluntarismo dos bancos oficiais, taxas de juro nas alturas, baixo volume de crédito, baixa participação do setor externo na economia -- de repente mudaram de coluna e passaram a ser incluídos nas soluções. Nada explicita melhor a reviravolta no terreno das ideias econômicas do que o debate sobre o Estado. Hoje é consenso que o bom resultado do Brasil em 2009 deve-se em parte às ações do Estado, seja diretamente, seja por meio de seus bancos. Também foi decisiva a constatação de que os brasileiros estavam com suas contas pessoais relativamente em ordem -- a anos-luz de distância do imbróglio do subprime americano. O equilíbrio não se deve à frugalidade dos hábitos, e sim ao fato de que o crédito no Brasil há muito tempo tem um custo exorbitante e é escasso. Isso mantém consumidores e empresas relativamente mais cautelosos quanto ao uso de dinheiro alheio. Aqui, ao contrário dos países mais avançados, a preferência é por investir menos, mas com dinheiro próprio. É uma estratégia que restringe o crescimento -- mas que, na hora do aperto, tornou-se um trunfo. Também é reduzida a exposição do país aos riscos do comércio exterior. Como o mercado brasileiro ainda é relativamente protegido, a soma das exportações e importações representa menos de um quinto do PIB -- em países como a Coreia é da ordem de 90%.
Será que os problemas de antes realmente viraram solução? Em meio à euforia das boas notícias econômicas, é bom tomar cuidado com algumas conclusões tortuosas -- ou no mínimo apressadas. Uma coisa é enfrentar uma crise. Outra, bem diferente, é construir as bases de uma economia moderna. Violar essa linha de raciocínio leva à conclusão de que traços que foram qualidades na crise merecem ser reforçados agora. Aí é que mora o perigo. "É óbvio que o setor público ajudou, mas essa visão glorifica problemas nossos", diz Alexandre Schwartsman, economista-chefe do banco Santander. "Se colocarmos um gordo e um magro em situação de inanição, não há dúvida de que o sujeito mais robusto terá mais chance de sobreviver. Nem por isso algum médico recomendaria ficar gordo para se prevenir de uma morte por falta de comida." Se a ação do governo funcionou nas circunstâncias atuais, também é fato que, antes, atrapalhou muito -- e continuará a fazê-lo no futuro. O país não estaria melhor se tivesse crescido com mais vigor no passado, o que seria possível se empresas e trabalhadores não fossem tão sobrecarregados pelo peso estatal?
Mais uma conclusão errada a ser evitada é a de que a abertura da economia ao exterior é um mal. "Um mercado fechado é uma faca de dois gumes", afirma o economista inglês John Williamson, criador do termo Consenso de Washington para batizar o conjunto de medidas de estabilização recomendadas a países da América Latina. "O país fica menos propenso a sofrer impactos de uma crise externa, mas tem dificuldade de se aproveitar dos momentos bons." Isso já ficou patente com a capacidade de crescer que as economias mais abertas da Ásia demonstraram. O fato de agora, por um ou dois anos, sofrerem mais que o Brasil, não justificaria jogar suas políticas vencedoras por décadas na lata de lixo. Ter um mercado interno forte -- este sim um atributo do Brasil que fez diferença e vale ser estimulado -- é uma coisa. Dar as costas para o mundo é outra, bem diferente. Nesse aspecto, como em outros, é bom ter cuidado para não tirar conclusões erradas.Empate por zero a zero não é resultado que a torcida brasileira goste de comemorar. Mas, no campo da economia, o fato de o Brasil ter atravessado um ano de turbulência financeira global sem crescimento virou motivo de celebração. Afinal, o desempenho é notavelmente melhor que o conseguido em confusões passadas e também superior ao de muitos outros países, em particular os desenvolvidos. Melhor ainda, os indicadores mostram que estamos a caminho de marcar uma goleada em 2010. Na busca das razões de nosso relativo sucesso em 2009, é curioso notar que itens normalmente associados à lista de problemas nacionais -- gigantismo do governo, voluntarismo dos bancos oficiais, taxas de juro nas alturas, baixo volume de crédito, baixa participação do setor externo na economia -- de repente mudaram de coluna e passaram a ser incluídos nas soluções. Nada explicita melhor a reviravolta no terreno das ideias econômicas do que o debate sobre o Estado. Hoje é consenso que o bom resultado do Brasil em 2009 deve-se em parte às ações do Estado, seja diretamente, seja por meio de seus bancos. Também foi decisiva a constatação de que os brasileiros estavam com suas contas pessoais relativamente em ordem -- a anos-luz de distância do imbróglio do subprime americano. O equilíbrio não se deve à frugalidade dos hábitos, e sim ao fato de que o crédito no Brasil há muito tempo tem um custo exorbitante e é escasso. Isso mantém consumidores e empresas relativamente mais cautelosos quanto ao uso de dinheiro alheio. Aqui, ao contrário dos países mais avançados, a preferência é por investir menos, mas com dinheiro próprio. É uma estratégia que restringe o crescimento -- mas que, na hora do aperto, tornou-se um trunfo. Também é reduzida a exposição do país aos riscos do comércio exterior. Como o mercado brasileiro ainda é relativamente protegido, a soma das exportações e importações representa menos de um quinto do PIB -- em países como a Coreia é da ordem de 90%.
Será que os problemas de antes realmente viraram solução? Em meio à euforia das boas notícias econômicas, é bom tomar cuidado com algumas conclusões tortuosas -- ou no mínimo apressadas. Uma coisa é enfrentar uma crise. Outra, bem diferente, é construir as bases de uma economia moderna. Violar essa linha de raciocínio leva à conclusão de que traços que foram qualidades na crise merecem ser reforçados agora. Aí é que mora o perigo. "É óbvio que o setor público ajudou, mas essa visão glorifica problemas nossos", diz Alexandre Schwartsman, economista-chefe do banco Santander. "Se colocarmos um gordo e um magro em situação de inanição, não há dúvida de que o sujeito mais robusto terá mais chance de sobreviver. Nem por isso algum médico recomendaria ficar gordo para se prevenir de uma morte por falta de comida." Se a ação do governo funcionou nas circunstâncias atuais, também é fato que, antes, atrapalhou muito -- e continuará a fazê-lo no futuro. O país não estaria melhor se tivesse crescido com mais vigor no passado, o que seria possível se empresas e trabalhadores não fossem tão sobrecarregados pelo peso estatal?
Mais uma conclusão errada a ser evitada é a de que a abertura da economia ao exterior é um mal. "Um mercado fechado é uma faca de dois gumes", afirma o economista inglês John Williamson, criador do termo Consenso de Washington para batizar o conjunto de medidas de estabilização recomendadas a países da América Latina. "O país fica menos propenso a sofrer impactos de uma crise externa, mas tem dificuldade de se aproveitar dos momentos bons." Isso já ficou patente com a capacidade de crescer que as economias mais abertas da Ásia demonstraram. O fato de agora, por um ou dois anos, sofrerem mais que o Brasil, não justificaria jogar suas políticas vencedoras por décadas na lata de lixo. Ter um mercado interno forte -- este sim um atributo do Brasil que fez diferença e vale ser estimulado -- é uma coisa. Dar as costas para o mundo é outra, bem diferente. Nesse aspecto, como em outros, é bom ter cuidado para não tirar conclusões erradas.
Empate por zero a zero não é resultado que a torcida brasileira goste de comemorar. Mas, no campo da economia, o fato de o Brasil ter atravessado um ano de turbulência financeira global sem crescimento virou motivo de celebração. Afinal, o desempenho é notavelmente melhor que o conseguido em confusões passadas e também superior ao de muitos outros países, em particular os desenvolvidos. Melhor ainda, os indicadores mostram que estamos a caminho de marcar uma goleada em 2010. Na busca das razões de nosso relativo sucesso em 2009, é curioso notar que itens normalmente associados à lista de problemas nacionais -- gigantismo do governo, voluntarismo dos bancos oficiais, taxas de juro nas alturas, baixo volume de crédito, baixa participação do setor externo na economia -- de repente mudaram de coluna e passaram a ser incluídos nas soluções. Nada explicita melhor a reviravolta no terreno das ideias econômicas do que o debate sobre o Estado. Hoje é consenso que o bom resultado do Brasil em 2009 deve-se em parte às ações do Estado, seja diretamente, seja por meio de seus bancos. Também foi decisiva a constatação de que os brasileiros estavam com suas contas pessoais relativamente em ordem -- a anos-luz de distância do imbróglio do subprime americano. O equilíbrio não se deve à frugalidade dos hábitos, e sim ao fato de que o crédito no Brasil há muito tempo tem um custo exorbitante e é escasso. Isso mantém consumidores e empresas relativamente mais cautelosos quanto ao uso de dinheiro alheio. Aqui, ao contrário dos países mais avançados, a preferência é por investir menos, mas com dinheiro próprio. É uma estratégia que restringe o crescimento -- mas que, na hora do aperto, tornou-se um trunfo. Também é reduzida a exposição do país aos riscos do comércio exterior. Como o mercado brasileiro ainda é relativamente protegido, a soma das exportações e importações representa menos de um quinto do PIB -- em países como a Coreia é da ordem de 90%.
Será que os problemas de antes realmente viraram solução? Em meio à euforia das boas notícias econômicas, é bom tomar cuidado com algumas conclusões tortuosas -- ou no mínimo apressadas. Uma coisa é enfrentar uma crise. Outra, bem diferente, é construir as bases de uma economia moderna. Violar essa linha de raciocínio leva à conclusão de que traços que foram qualidades na crise merecem ser reforçados agora. Aí é que mora o perigo. "É óbvio que o setor público ajudou, mas essa visão glorifica problemas nossos", diz Alexandre Schwartsman, economista-chefe do banco Santander. "Se colocarmos um gordo e um magro em situação de inanição, não há dúvida de que o sujeito mais robusto terá mais chance de sobreviver. Nem por isso algum médico recomendaria ficar gordo para se prevenir de uma morte por falta de comida." Se a ação do governo funcionou nas circunstâncias atuais, também é fato que, antes, atrapalhou muito -- e continuará a fazê-lo no futuro. O país não estaria melhor se tivesse crescido com mais vigor no passado, o que seria possível se empresas e trabalhadores não fossem tão sobrecarregados pelo peso estatal?
Mais uma conclusão errada a ser evitada é a de que a abertura da economia ao exterior é um mal. "Um mercado fechado é uma faca de dois gumes", afirma o economista inglês John Williamson, criador do termo Consenso de Washington para batizar o conjunto de medidas de estabilização recomendadas a países da América Latina. "O país fica menos propenso a sofrer impactos de uma crise externa, mas tem dificuldade de se aproveitar dos momentos bons." Isso já ficou patente com a capacidade de crescer que as economias mais abertas da Ásia demonstraram. O fato de agora, por um ou dois anos, sofrerem mais que o Brasil, não justificaria jogar suas políticas vencedoras por décadas na lata de lixo. Ter um mercado interno forte -- este sim um atributo do Brasil que fez diferença e vale ser estimulado -- é uma coisa. Dar as costas para o mundo é outra, bem diferente. Nesse aspecto, como em outros, é bom ter cuidado para não tirar conclusões erradas.
Empate por zero a zero não é resultado que a torcida brasileira goste de comemorar. Mas, no campo da economia, o fato de o Brasil ter atravessado um ano de turbulência financeira global sem crescimento virou motivo de celebração. Afinal, o desempenho é notavelmente melhor que o conseguido em confusões passadas e também superior ao de muitos outros países, em particular os desenvolvidos. Melhor ainda, os indicadores mostram que estamos a caminho de marcar uma goleada em 2010. Na busca das razões de nosso relativo sucesso em 2009, é curioso notar que itens normalmente associados à lista de problemas nacionais -- gigantismo do governo, voluntarismo dos bancos oficiais, taxas de juro nas alturas, baixo volume de crédito, baixa participação do setor externo na economia -- de repente mudaram de coluna e passaram a ser incluídos nas soluções. Nada explicita melhor a reviravolta no terreno das ideias econômicas do que o debate sobre o Estado. Hoje é consenso que o bom resultado do Brasil em 2009 deve-se em parte às ações do Estado, seja diretamente, seja por meio de seus bancos. Também foi decisiva a constatação de que os brasileiros estavam com suas contas pessoais relativamente em ordem -- a anos-luz de distância do imbróglio do subprime americano. O equilíbrio não se deve à frugalidade dos hábitos, e sim ao fato de que o crédito no Brasil há muito tempo tem um custo exorbitante e é escasso. Isso mantém consumidores e empresas relativamente mais cautelosos quanto ao uso de dinheiro alheio. Aqui, ao contrário dos países mais avançados, a preferência é por investir menos, mas com dinheiro próprio. É uma estratégia que restringe o crescimento -- mas que, na hora do aperto, tornou-se um trunfo. Também é reduzida a exposição do país aos riscos do comércio exterior. Como o mercado brasileiro ainda é relativamente protegido, a soma das exportações e importações representa menos de um quinto do PIB -- em países como a Coreia é da ordem de 90%.
Será que os problemas de antes realmente viraram solução? Em meio à euforia das boas notícias econômicas, é bom tomar cuidado com algumas conclusões tortuosas -- ou no mínimo apressadas. Uma coisa é enfrentar uma crise. Outra, bem diferente, é construir as bases de uma economia moderna. Violar essa linha de raciocínio leva à conclusão de que traços que foram qualidades na crise merecem ser reforçados agora. Aí é que mora o perigo. "É óbvio que o setor público ajudou, mas essa visão glorifica problemas nossos", diz Alexandre Schwartsman, economista-chefe do banco Santander. "Se colocarmos um gordo e um magro em situação de inanição, não há dúvida de que o sujeito mais robusto terá mais chance de sobreviver. Nem por isso algum médico recomendaria ficar gordo para se prevenir de uma morte por falta de comida." Se a ação do governo funcionou nas circunstâncias atuais, também é fato que, antes, atrapalhou muito -- e continuará a fazê-lo no futuro. O país não estaria melhor se tivesse crescido com mais vigor no passado, o que seria possível se empresas e trabalhadores não fossem tão sobrecarregados pelo peso estatal?
Mais uma conclusão errada a ser evitada é a de que a abertura da economia ao exterior é um mal. "Um mercado fechado é uma faca de dois gumes", afirma o economista inglês John Williamson, criador do termo Consenso de Washington para batizar o conjunto de medidas de estabilização recomendadas a países da América Latina. "O país fica menos propenso a sofrer impactos de uma crise externa, mas tem dificuldade de se aproveitar dos momentos bons." Isso já ficou patente com a capacidade de crescer que as economias mais abertas da Ásia demonstraram. O fato de agora, por um ou dois anos, sofrerem mais que o Brasil, não justificaria jogar suas políticas vencedoras por décadas na lata de lixo. Ter um mercado interno forte -- este sim um atributo do Brasil que fez diferença e vale ser estimulado -- é uma coisa. Dar as costas para o mundo é outra, bem diferente. Nesse aspecto, como em outros, é bom ter cuidado para não tirar conclusões erradas.
Empate por zero a zero não é resultado que a torcida brasileira goste de comemorar. Mas, no campo da economia, o fato de o Brasil ter atravessado um ano de turbulência financeira global sem crescimento virou motivo de celebração. Afinal, o desempenho é notavelmente melhor que o conseguido em confusões passadas e também superior ao de muitos outros países, em particular os desenvolvidos. Melhor ainda, os indicadores mostram que estamos a caminho de marcar uma goleada em 2010. Na busca das razões de nosso relativo sucesso em 2009, é curioso notar que itens normalmente associados à lista de problemas nacionais -- gigantismo do governo, voluntarismo dos bancos oficiais, taxas de juro nas alturas, baixo volume de crédito, baixa participação do setor externo na economia -- de repente mudaram de coluna e passaram a ser incluídos nas soluções. Nada explicita melhor a reviravolta no terreno das ideias econômicas do que o debate sobre o Estado. Hoje é consenso que o bom resultado do Brasil em 2009 deve-se em parte às ações do Estado, seja diretamente, seja por meio de seus bancos. Também foi decisiva a constatação de que os brasileiros estavam com suas contas pessoais relativamente em ordem -- a anos-luz de distância do imbróglio do subprime americano. O equilíbrio não se deve à frugalidade dos hábitos, e sim ao fato de que o crédito no Brasil há muito tempo tem um custo exorbitante e é escasso. Isso mantém consumidores e empresas relativamente mais cautelosos quanto ao uso de dinheiro alheio. Aqui, ao contrário dos países mais avançados, a preferência é por investir menos, mas com dinheiro próprio. É uma estratégia que restringe o crescimento -- mas que, na hora do aperto, tornou-se um trunfo. Também é reduzida a exposição do país aos riscos do comércio exterior. Como o mercado brasileiro ainda é relativamente protegido, a soma das exportações e importações representa menos de um quinto do PIB -- em países como a Coreia é da ordem de 90%.
Será que os problemas de antes realmente viraram solução? Em meio à euforia das boas notícias econômicas, é bom tomar cuidado com algumas conclusões tortuosas -- ou no mínimo apressadas. Uma coisa é enfrentar uma crise. Outra, bem diferente, é construir as bases de uma economia moderna. Violar essa linha de raciocínio leva à conclusão de que traços que foram qualidades na crise merecem ser reforçados agora. Aí é que mora o perigo. "É óbvio que o setor público ajudou, mas essa visão glorifica problemas nossos", diz Alexandre Schwartsman, economista-chefe do banco Santander. "Se colocarmos um gordo e um magro em situação de inanição, não há dúvida de que o sujeito mais robusto terá mais chance de sobreviver. Nem por isso algum médico recomendaria ficar gordo para se prevenir de uma morte por falta de comida." Se a ação do governo funcionou nas circunstâncias atuais, também é fato que, antes, atrapalhou muito -- e continuará a fazê-lo no futuro. O país não estaria melhor se tivesse crescido com mais vigor no passado, o que seria possível se empresas e trabalhadores não fossem tão sobrecarregados pelo peso estatal?
Mais uma conclusão errada a ser evitada é a de que a abertura da economia ao exterior é um mal. "Um mercado fechado é uma faca de dois gumes", afirma o economista inglês John Williamson, criador do termo Consenso de Washington para batizar o conjunto de medidas de estabilização recomendadas a países da América Latina. "O país fica menos propenso a sofrer impactos de uma crise externa, mas tem dificuldade de se aproveitar dos momentos bons." Isso já ficou patente com a capacidade de crescer que as economias mais abertas da Ásia demonstraram. O fato de agora, por um ou dois anos, sofrerem mais que o Brasil, não justificaria jogar suas políticas vencedoras por décadas na lata de lixo. Ter um mercado interno forte -- este sim um atributo do Brasil que fez diferença e vale ser estimulado -- é uma coisa. Dar as costas para o mundo é outra, bem diferente. Nesse aspecto, como em outros, é bom ter cuidado para não tirar conclusões erradas.
Amatemática está se tornando cada vez mais difundida na economia. Para que fique registrado: na hora certa, entre adultos e de comum acordo, eu também uso matemática. Há boas e más razões para empregá-la a serviço da economia. Só que até agora as más prevaleceram. Isso não teria muita importância se os formuladores de políticas não levassem a economia tão a sério. Quase nenhum deles liga para loucuras da teoria literária, por exemplo. Mas a economia tem importância e, nas fronteiras da disciplina, uma mudança sutil mas profunda está ocorrendo. A economia está começando a se tornar mais realista, enraizada em instituições, em história, no mundo real, e, por conseguinte, mais útil. Foi assim, aliás, que a economia começou. Na época ela não era chamada de "economia", mas de "economia política", simbolizando o fato de que economias não existem independentemente de sistemas e instituições políticos.
Adam Smith fundou, sozinho, a disciplina de economia há cerca de 200 anos, e sua influência é grande até os dias de hoje. Mas seu livro seminal, A Riqueza das Nações, não contém nenhuma equação. Em vez disso, Smith emprega argumentos cuidadosamente construídos, apoiados numa profusão de evidências históricas. O corretor de ações inglês David Ricardo, autor de Princípios da Economia Política e Tributação (1817), é menos conhecido, mas a teoria econômica- padrão de comércio ainda se baseia em sua obra. Mais de um século depois, duas figuras de extremos opostos do espectro político fizeram contribuições de largo alcance à economia. John Maynard Keynes estudou matemática em Cambridge e depois passou para a economia. Friedrick Hayek, a inspiração intelectual para o thatcherismo, tinha insights profundos em psicologia e também em economia. Ricardo, Keynes, Hayek e uma série de outras figuras-chave evitaram deliberadamente a matemática. Eles preferiram usar argumentos ponderados respaldados em evidências.
Como foi, então, que a matemática se tornou tão presente na economia, quando tanta coisa foi alcançada sem ela? A pior razão é que o emprego da matemática faz com que os economistas se sintam como verdadeiros cientistas. Eles têm "inveja da física". Os físicos usam a matemática (tente fazer física quântica só com palavras), e são cientistas de verdade, que realmente explicaram como uma porção de coisas funciona. Portanto, se usarmos a matemática, isso nos fará verdadeiros cientistas, não é? Bem, o erro lógico desta última frase é bastante óbvio. Mas ele não impede a satisfação íntima que a maioria dos economistas sente quando cobre a página de símbolos matemáticos.
Há uma razão mais séria e mais danosa para a matemática, ao menos um tipo particular de matemática, ser usada em economia. Ela está inextricavelmente ligada ao conceito de "homem econômico". A economia é basicamente uma teoria sobre o comportamento dos indivíduos. E a história- padrão não só supõe que os indivíduos são movidos pelo interesse próprio, mas que eles se comportam como algum tipo de supercomputador -- sempre recolhendo cada pedaço de informação relevante para uma decisão. Esses indivíduos tomam então a melhor decisão possível com base nas opções disponíveis. Não apenas uma boa decisão, mas a melhor. Ou, como economistas gostam de dizer, ótima.
Essa ainda é a base para o ensino de economia na universidade. Mas, paradoxalmente, foi precisamente o emprego da matemática na economia que solapou essa visão do mundo. É também uma razão por que a disciplina está avançando dramaticamente. A matemática pode ser muito útil em economia desde que a pensemos como uma simples ferramenta entre muitas. Ela é uma ferramenta que pode nos ajudar no pensamento lógico. É como outra linguagem -- ela pode nos ajudar a encontrar nosso rumo.
Mas pioneiros como os vencedores do Nobel de 2001 George Akerlof e Joseph Stiglitz avançaram o tema nos anos 70. Eles perceberam que algo mais era necessário, por isso abandonaram a ideia de que as pessoas têm uma informação perfeita quando tomam decisões. Eles desenvolveram o conceito de "racionalidade limitada": embora possamos tentar tomar a melhor decisão, podemos não conseguir em razão da falta de informações vitais. Assim, num mundo de racionalidade limitada, as pessoas que se comprazem em comida vagabunda ou fumam pesadamente não são vistas necessariamente como tomando a melhor decisão possível para elas. O trabalho de Akerlof e Stiglitz representou um passo adiante enorme para tornar a economia mais realista.
Daniel Kahneman e Vernon Smith, vencedores do Nobel de 2002, deram passos ainda mais largos. Eles entraram efetivamente no mundo e conduziram experimentos para ver como as pessoas de fato se comportam. Observando e deduzindo, como cientistas de verdade! Descobriram que, na maior parte do tempo, as pessoas não se comportam como o homem econômico. Em sua palestra na cerimônia do Nobel, Kahneman afirmou: "A característica central de agentes (pessoas) não é que eles raciocinam mal, mas agem intuitivamente com frequência. E o comportamento desses agentes não é guiado pelo que eles são capazes de computar, mas pelo que enxergam em dado momento".
Em outras palavras, o conceito de um homem econômico racional, calculador, está sendo abandonado. A teoria do homem econômico postula que as pessoas têm todas as informações relevantes para tomar a melhor decisão. Nessa nova abordagem, as pessoas têm -- na melhor hipótese -- uma informação imperfeita. Elas seguem aos trambolhões, tentando tomar decisões racionais, às vezes conseguindo -- mas, com frequência, falhando. As novas abordagens que se desenvolveram para substituir o homem econômico, talvez surpreendentemente, tornaram a economia muito mais dura. Em vez de apenas manipular algumas equações, nós precisamos pensar nas regras de comportamento relevantes. E precisamos recuperar a importância de instituições e da história. Em suma, temos de recuperar a ideia de economia política numa roupagem completamente moderna. Friederick Hayek sofre a desconfiança de muitos, mas há uma verdade profunda em sua observação: "Um economista que é apenas um economista não pode ser um bom economista".
Tudo isso deixa a economia mais humilde. Em vez de pretender passar por uma teoria de comportamento completamente geral -- aplicável a todas as pessoas em todos os tempos e lugares --, a economia é agora muito menos pomposa. Mas, em última instância, essas mudanças servirão para tornar a disciplina mais realista. E potencialmente mais poderosa como uma força para ajudar a compreender e melhorar a condição humana.
A China sob os holofotes-- Ana Luiza Herzog, de Copenhague
0s estudiosos das relações internacionais já soltaram um veredito: 2009 foi mesmo o ano do G20 -- grupo que reúne os países ricos do mundo e os emergentes, como Brasil, China e Índia. Isso não significa, porém, que é essa a configuração de poder global que deverá se manter em 2010 e nos anos vindouros. Tudo indica que, no futuro próximo, as aspirações do planeta estarão sob o jugo não de um grupo de nações, mas do G2: Estados Unidos e China. A prova mais recente disso foi dada no apagar das luzes de 2009, durante as duas semanas da conferência da ONU sobre o clima, realizada em Copenhague. O evento na capital dinamarquesa reuniu cerca de 40 000 pessoas e mais de 120 chefes de Estado e governo. A despeito dessa diversidade de lideranças, durante todo o tempo, as atenções estiveram voltadas sobretudo para os movimentos desses dois países. Afinal, qualquer plano de combate ao aquecimento global torna-se vazio se as duas maiores economias do planeta -- e também as maiores emissoras de gases causadores do efeito estufa -- não quiserem participar.
Durante as duas semanas de duração da COP15, Estados Unidos e China estiveram no centro das discussões o tempo todo, como era esperado. Mas foi a firmeza dos negociadores chineses o que deixou surpresos muitos dos participantes e observadores da reunião. A China, que em 2010 deve tornar-se a segunda maior economia do mundo (e que já é a maior emissora de CO2 do planeta, em termos absolutos), decidiu assumir de vez seu papel de protagonista no cenário da política internacional. Isso começou a ficar claro logo no início da conferência. Desde os primeiros dias, a delegação chinesa se apresentou como a voz do G77, como é conhecido o grupo de cerca de 150 países pobres e emergentes. Os negociadores do país adotaram com convicção o discurso de defesa dos fracos e oprimidos. Os chineses deixaram claro que o preço do combate ao aquecimento global não pode significar a criação de entraves ao desenvolvimento econômico desses países.
Também não foi possível demover o país da oposição a um sistema mundial de verificação do cumprimento das metas, uma das exigências-chave feitas pelo presidente americano, Barack Obama, em sua passagem no dia final da conferência. O discurso americano se apoiava na ideia da prestação de contas. Mas a leitura dos especialistas era diferente. Os Estados Unidos não estão preocupados com o que farão brasileiros, indonésios ou indianos. "A grande questão é a China", diz Nathan E. Hultman, professor da escola de políticas públicas da Universidade de Maryland e membro da Brookings Institution, um renomado instituto de pesquisa americano. "Obama precisa poder dizer aos cidadãos do país, com convicção, que a economia chinesa também está fazendo sacrifícios. Caso contrário, nada feito." Essa queda de braço observada pelo mundo todo, e que muitos acreditam ser um dos principais motivos para a falta do acordo que se esperava de Copenhague, não deixa dúvidas sobre o novo equilíbrio de forças neste começo de milênio.
Não é de hoje que há boas justificativas para o medo americano. Nenhum outro país nutre uma gana de crescer tão grande quanto a China. O país já tem 650 milhões de aparelhos celulares, mais que o dobro que toda a população americana. Passou à frente dos Estados Unidos no mercado que, durante um século, foi sinônimo do seu dinamismo: o automobilístico. A máquina exportadora chinesa permitiu o acúmulo de mais de 2 trilhões de dólares em reservas internacionais. A ditadura asiática é hoje o principal credor dos Estados Unidos. Agora, diante do imperativo de que o mundo se converta à economia de baixo carbono, há prenúncios de que pode ter chegado a hora de a China assumir de vez a dianteira. O país decidiu que não só vai esverdear sua matriz energética -- ainda movida a carvão mineral e, por isso, predominantemente suja --, como vai se tornar o maior exportador de tecnologias limpas do mundo. Na maioria dos países costuma haver um espaço de tempo razoável entre a tomada de uma decisão e sua execução. Na China comunista, esse intervalo é bem mais curto. Há cinco anos, 80% das turbinas eólicas instaladas no país eram produzidas no exterior. Hoje, os fabricantes nacionais já respondem por 75% dessa demanda.
Ao menos publicamente, os Estados Unidos e, sobretudo, a China, rejeitam a ideia de um mundo regido pelo G2. Os chineses afirmam não ter a pretensão de reformar o mundo ou se meter nos problemas alheios. O que os chineses, porém, não negam, é que todas as suas ações são guiadas por um princípio: o de fazer crescer o PIB. E a natureza desse pragmatismo basta para que, cada vez mais daqui para a frente, a exemplo do que ocorreu em Copenhague, a solução para qualquer dilema global passe pelo delicado balé entre esses dois países.
No Brasil, 2010 será marcado pelo otimismo na economia e pela expectativa em relação à eleição presidencial. No mundo, a China seguirá crescendo como potência econômica e política -- como provou em Copenhague.
BRASILUm ano decisivo para o país-- André Lahóz
É um ciclo que se encerra. O oitavo e derradeiro ano sob a batuta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva dá início à frenética corrida pela sucessão -- e, para usar a cruel imagem sobre os costumes de Brasília em fins de mandato, nem mesmo a incrível popularidade de Lula deverá impedir que o café que lhe será servido em 2010 vá gradualmente esfriando com o passar do tempo. Enquanto isso, a cada mês deve aumentar a bajulação aos postulantes mais competitivos na disputa pelo primeiro cargo da nação. Nada a estranhar. É da própria natureza da política antecipar o deslocamento do poder. O que há de notável no ano que se inicia é a percepção generalizada de que, sejam quais forem as escolhas do eleitorado, a vida no futuro será muito parecida com a de hoje. Contratos serão respeitados. A moeda será preservada. As empresas seguirão produzindo -- eis o cenário com que trabalham dez entre dez especialistas em finanças internacionais. Mais do que uma aposta puramente econômica, eles confiam num salto qualitativo da sociedade brasileira. Ao conseguir descolar os ambientes da política e da economia, o Brasil tornou-se bem mais parecido com países em estágio de desenvolvimento muito superior. Num mundo que ainda lambe as feridas da crise financeira, oferecemos uma combinação irresistível de estabilidade com crescimento num ambiente de democracia plena.
Como deve evoluir a economia brasileira daqui para a frente? Todos os prognósticos indicam um ano próspero -- as estimativas são de crescimento forte, um dos mais robustos dos últimos tempos. Ao longo de 2009, empresas dos mais diferentes setores ajustaram para baixo a produção na tentativa de desovar estoques acumulados após a eclosão da crise financeira. O corte de produção cobrou seu preço -- o PIB chegou a cair em dois trimestres e deve fechar o ano com crescimento nulo. O lado bom dessa história é que o consumo interno se recuperou antes do que muitos imaginavam -- ao fim e ao cabo, 2009 acabou melhor do que se acreditava. O ano de 2010, portanto, começa com uma combinação promissora: poucos estoques e muita demanda. É sinônimo de produção em alta. As empresas devem operar em ritmo bem acima do normal para essa época do ano. E isso estimula o emprego e o investimento.
Também deve aumentar a efervescência no meio empresarial. Nesse sentido, a criação de um gigante no varejo englobando as lojas de Pão de Açúcar e Casas Bahia pode ser vista como um indício do momento atual do mercado. As operações de fusões e aquisições, que saltaram de 10 bilhões de dólares em 2002 para 95 bilhões em 2008, despencaram em 2009 -- de janeiro a novembro o volume foi de 54 bilhões. Agora, a expectativa é de um novo crescimento, ainda que não se volte ao patamar recorde de 2008. Também devem ser retomados os negócios no mercado de capitais. Os IPOs e as ofertas de ações em bolsa, que somaram pouco mais de 3 bilhões de dólares em 2004, chegaram a 35 bilhões em 2007. O volume caiu para cerca de 20 bilhões de dólares em 2009 -- e executivos de mercado esperam um crescimento de até 40% em 2010. Alguns setores devem ser particularmente beneficiados com o reaquecimento da economia -- com destaque para o de petróleo e gás. O Brasil já começa a ser incluído nas listas dos países petroleiros mais promissores, a ponto de frequentar, ao lado de Rússia, Iraque, Nigéria e Cazaquistão, o recém-criado acrônimo Brink, que reúne as nações onde se espera produção crescente nos próximos anos.
Todas essas projeções indicam que, ressalvado o aspecto inerentemente imprevisível das atividades humanas, 2010 é um ano considerado ganho de antemão pelos principais analistas da cena econômica. O risco, aliás, são os problemas advindos do próprio sucesso. Por todos os ângulos, o que se vê são forças estimulando a economia. O governo aumentou os gastos logo após a crise -- e essa despesa continua crescendo. O consumo das famílias e das empresas está em forte expansão. O investimento, que despencou em 2009, deve pelo menos voltar ao patamar pré-crise. O mundo continua querendo os produtos brasileiros. Se nada for feito, o país corre o risco de transitar diretamente para um cenário de superaquecimento econômico -- o que leva muitos analistas a prever altas de juro, ainda que moderadas, nos meses à frente. De certa forma, o bom momento do Brasil deve explicitar problemas históricos que não foram sanados -- a baixa poupança, o estado deplorável da infraestrutura, a falta de mão de obra qualificada para sustentar o crescimento. Um novo ciclo político está prestes a ser inaugurado, com a saída de cena -- talvez momentânea -- do presidente Lula. Será preciso muito trabalho de seu sucessor para manter o país no patamar recém-conquistado e, esperamos, alçá-lo ainda mais.
Empate por zero a zero não é resultado que a torcida brasileira goste de comemorar. Mas, no campo da economia, o fato de o Brasil ter atravessado um ano de turbulência financeira global sem crescimento virou motivo de celebração. Afinal, o desempenho é notavelmente melhor que o conseguido em confusões passadas e também superior ao de muitos outros países, em particular os desenvolvidos. Melhor ainda, os indicadores mostram que estamos a caminho de marcar uma goleada em 2010. Na busca das razões de nosso relativo sucesso em 2009, é curioso notar que itens normalmente associados à lista de problemas nacionais -- gigantismo do governo, voluntarismo dos bancos oficiais, taxas de juro nas alturas, baixo volume de crédito, baixa participação do setor externo na economia -- de repente mudaram de coluna e passaram a ser incluídos nas soluções. Nada explicita melhor a reviravolta no terreno das ideias econômicas do que o debate sobre o Estado. Hoje é consenso que o bom resultado do Brasil em 2009 deve-se em parte às ações do Estado, seja diretamente, seja por meio de seus bancos. Também foi decisiva a constatação de que os brasileiros estavam com suas contas pessoais relativamente em ordem -- a anos-luz de distância do imbróglio do subprime americano. O equilíbrio não se deve à frugalidade dos hábitos, e sim ao fato de que o crédito no Brasil há muito tempo tem um custo exorbitante e é escasso. Isso mantém consumidores e empresas relativamente mais cautelosos quanto ao uso de dinheiro alheio. Aqui, ao contrário dos países mais avançados, a preferência é por investir menos, mas com dinheiro próprio. É uma estratégia que restringe o crescimento -- mas que, na hora do aperto, tornou-se um trunfo. Também é reduzida a exposição do país aos riscos do comércio exterior. Como o mercado brasileiro ainda é relativamente protegido, a soma das exportações e importações representa menos de um quinto do PIB -- em países como a Coreia é da ordem de 90%.
Será que os problemas de antes realmente viraram solução? Em meio à euforia das boas notícias econômicas, é bom tomar cuidado com algumas conclusões tortuosas -- ou no mínimo apressadas. Uma coisa é enfrentar uma crise. Outra, bem diferente, é construir as bases de uma economia moderna. Violar essa linha de raciocínio leva à conclusão de que traços que foram qualidades na crise merecem ser reforçados agora. Aí é que mora o perigo. "É óbvio que o setor público ajudou, mas essa visão glorifica problemas nossos", diz Alexandre Schwartsman, economista-chefe do banco Santander. "Se colocarmos um gordo e um magro em situação de inanição, não há dúvida de que o sujeito mais robusto terá mais chance de sobreviver. Nem por isso algum médico recomendaria ficar gordo para se prevenir de uma morte por falta de comida." Se a ação do governo funcionou nas circunstâncias atuais, também é fato que, antes, atrapalhou muito -- e continuará a fazê-lo no futuro. O país não estaria melhor se tivesse crescido com mais vigor no passado, o que seria possível se empresas e trabalhadores não fossem tão sobrecarregados pelo peso estatal?
Mais uma conclusão errada a ser evitada é a de que a abertura da economia ao exterior é um mal. "Um mercado fechado é uma faca de dois gumes", afirma o economista inglês John Williamson, criador do termo Consenso de Washington para batizar o conjunto de medidas de estabilização recomendadas a países da América Latina. "O país fica menos propenso a sofrer impactos de uma crise externa, mas tem dificuldade de se aproveitar dos momentos bons." Isso já ficou patente com a capacidade de crescer que as economias mais abertas da Ásia demonstraram. O fato de agora, por um ou dois anos, sofrerem mais que o Brasil, não justificaria jogar suas políticas vencedoras por décadas na lata de lixo. Ter um mercado interno forte -- este sim um atributo do Brasil que fez diferença e vale ser estimulado -- é uma coisa. Dar as costas para o mundo é outra, bem diferente. Nesse aspecto, como em outros, é bom ter cuidado para não tirar conclusões erradas.Empate por zero a zero não é resultado que a torcida brasileira goste de comemorar. Mas, no campo da economia, o fato de o Brasil ter atravessado um ano de turbulência financeira global sem crescimento virou motivo de celebração. Afinal, o desempenho é notavelmente melhor que o conseguido em confusões passadas e também superior ao de muitos outros países, em particular os desenvolvidos. Melhor ainda, os indicadores mostram que estamos a caminho de marcar uma goleada em 2010. Na busca das razões de nosso relativo sucesso em 2009, é curioso notar que itens normalmente associados à lista de problemas nacionais -- gigantismo do governo, voluntarismo dos bancos oficiais, taxas de juro nas alturas, baixo volume de crédito, baixa participação do setor externo na economia -- de repente mudaram de coluna e passaram a ser incluídos nas soluções. Nada explicita melhor a reviravolta no terreno das ideias econômicas do que o debate sobre o Estado. Hoje é consenso que o bom resultado do Brasil em 2009 deve-se em parte às ações do Estado, seja diretamente, seja por meio de seus bancos. Também foi decisiva a constatação de que os brasileiros estavam com suas contas pessoais relativamente em ordem -- a anos-luz de distância do imbróglio do subprime americano. O equilíbrio não se deve à frugalidade dos hábitos, e sim ao fato de que o crédito no Brasil há muito tempo tem um custo exorbitante e é escasso. Isso mantém consumidores e empresas relativamente mais cautelosos quanto ao uso de dinheiro alheio. Aqui, ao contrário dos países mais avançados, a preferência é por investir menos, mas com dinheiro próprio. É uma estratégia que restringe o crescimento -- mas que, na hora do aperto, tornou-se um trunfo. Também é reduzida a exposição do país aos riscos do comércio exterior. Como o mercado brasileiro ainda é relativamente protegido, a soma das exportações e importações representa menos de um quinto do PIB -- em países como a Coreia é da ordem de 90%.
Será que os problemas de antes realmente viraram solução? Em meio à euforia das boas notícias econômicas, é bom tomar cuidado com algumas conclusões tortuosas -- ou no mínimo apressadas. Uma coisa é enfrentar uma crise. Outra, bem diferente, é construir as bases de uma economia moderna. Violar essa linha de raciocínio leva à conclusão de que traços que foram qualidades na crise merecem ser reforçados agora. Aí é que mora o perigo. "É óbvio que o setor público ajudou, mas essa visão glorifica problemas nossos", diz Alexandre Schwartsman, economista-chefe do banco Santander. "Se colocarmos um gordo e um magro em situação de inanição, não há dúvida de que o sujeito mais robusto terá mais chance de sobreviver. Nem por isso algum médico recomendaria ficar gordo para se prevenir de uma morte por falta de comida." Se a ação do governo funcionou nas circunstâncias atuais, também é fato que, antes, atrapalhou muito -- e continuará a fazê-lo no futuro. O país não estaria melhor se tivesse crescido com mais vigor no passado, o que seria possível se empresas e trabalhadores não fossem tão sobrecarregados pelo peso estatal?
Mais uma conclusão errada a ser evitada é a de que a abertura da economia ao exterior é um mal. "Um mercado fechado é uma faca de dois gumes", afirma o economista inglês John Williamson, criador do termo Consenso de Washington para batizar o conjunto de medidas de estabilização recomendadas a países da América Latina. "O país fica menos propenso a sofrer impactos de uma crise externa, mas tem dificuldade de se aproveitar dos momentos bons." Isso já ficou patente com a capacidade de crescer que as economias mais abertas da Ásia demonstraram. O fato de agora, por um ou dois anos, sofrerem mais que o Brasil, não justificaria jogar suas políticas vencedoras por décadas na lata de lixo. Ter um mercado interno forte -- este sim um atributo do Brasil que fez diferença e vale ser estimulado -- é uma coisa. Dar as costas para o mundo é outra, bem diferente. Nesse aspecto, como em outros, é bom ter cuidado para não tirar conclusões erradas.
Empate por zero a zero não é resultado que a torcida brasileira goste de comemorar. Mas, no campo da economia, o fato de o Brasil ter atravessado um ano de turbulência financeira global sem crescimento virou motivo de celebração. Afinal, o desempenho é notavelmente melhor que o conseguido em confusões passadas e também superior ao de muitos outros países, em particular os desenvolvidos. Melhor ainda, os indicadores mostram que estamos a caminho de marcar uma goleada em 2010. Na busca das razões de nosso relativo sucesso em 2009, é curioso notar que itens normalmente associados à lista de problemas nacionais -- gigantismo do governo, voluntarismo dos bancos oficiais, taxas de juro nas alturas, baixo volume de crédito, baixa participação do setor externo na economia -- de repente mudaram de coluna e passaram a ser incluídos nas soluções. Nada explicita melhor a reviravolta no terreno das ideias econômicas do que o debate sobre o Estado. Hoje é consenso que o bom resultado do Brasil em 2009 deve-se em parte às ações do Estado, seja diretamente, seja por meio de seus bancos. Também foi decisiva a constatação de que os brasileiros estavam com suas contas pessoais relativamente em ordem -- a anos-luz de distância do imbróglio do subprime americano. O equilíbrio não se deve à frugalidade dos hábitos, e sim ao fato de que o crédito no Brasil há muito tempo tem um custo exorbitante e é escasso. Isso mantém consumidores e empresas relativamente mais cautelosos quanto ao uso de dinheiro alheio. Aqui, ao contrário dos países mais avançados, a preferência é por investir menos, mas com dinheiro próprio. É uma estratégia que restringe o crescimento -- mas que, na hora do aperto, tornou-se um trunfo. Também é reduzida a exposição do país aos riscos do comércio exterior. Como o mercado brasileiro ainda é relativamente protegido, a soma das exportações e importações representa menos de um quinto do PIB -- em países como a Coreia é da ordem de 90%.
Será que os problemas de antes realmente viraram solução? Em meio à euforia das boas notícias econômicas, é bom tomar cuidado com algumas conclusões tortuosas -- ou no mínimo apressadas. Uma coisa é enfrentar uma crise. Outra, bem diferente, é construir as bases de uma economia moderna. Violar essa linha de raciocínio leva à conclusão de que traços que foram qualidades na crise merecem ser reforçados agora. Aí é que mora o perigo. "É óbvio que o setor público ajudou, mas essa visão glorifica problemas nossos", diz Alexandre Schwartsman, economista-chefe do banco Santander. "Se colocarmos um gordo e um magro em situação de inanição, não há dúvida de que o sujeito mais robusto terá mais chance de sobreviver. Nem por isso algum médico recomendaria ficar gordo para se prevenir de uma morte por falta de comida." Se a ação do governo funcionou nas circunstâncias atuais, também é fato que, antes, atrapalhou muito -- e continuará a fazê-lo no futuro. O país não estaria melhor se tivesse crescido com mais vigor no passado, o que seria possível se empresas e trabalhadores não fossem tão sobrecarregados pelo peso estatal?
Mais uma conclusão errada a ser evitada é a de que a abertura da economia ao exterior é um mal. "Um mercado fechado é uma faca de dois gumes", afirma o economista inglês John Williamson, criador do termo Consenso de Washington para batizar o conjunto de medidas de estabilização recomendadas a países da América Latina. "O país fica menos propenso a sofrer impactos de uma crise externa, mas tem dificuldade de se aproveitar dos momentos bons." Isso já ficou patente com a capacidade de crescer que as economias mais abertas da Ásia demonstraram. O fato de agora, por um ou dois anos, sofrerem mais que o Brasil, não justificaria jogar suas políticas vencedoras por décadas na lata de lixo. Ter um mercado interno forte -- este sim um atributo do Brasil que fez diferença e vale ser estimulado -- é uma coisa. Dar as costas para o mundo é outra, bem diferente. Nesse aspecto, como em outros, é bom ter cuidado para não tirar conclusões erradas.
Empate por zero a zero não é resultado que a torcida brasileira goste de comemorar. Mas, no campo da economia, o fato de o Brasil ter atravessado um ano de turbulência financeira global sem crescimento virou motivo de celebração. Afinal, o desempenho é notavelmente melhor que o conseguido em confusões passadas e também superior ao de muitos outros países, em particular os desenvolvidos. Melhor ainda, os indicadores mostram que estamos a caminho de marcar uma goleada em 2010. Na busca das razões de nosso relativo sucesso em 2009, é curioso notar que itens normalmente associados à lista de problemas nacionais -- gigantismo do governo, voluntarismo dos bancos oficiais, taxas de juro nas alturas, baixo volume de crédito, baixa participação do setor externo na economia -- de repente mudaram de coluna e passaram a ser incluídos nas soluções. Nada explicita melhor a reviravolta no terreno das ideias econômicas do que o debate sobre o Estado. Hoje é consenso que o bom resultado do Brasil em 2009 deve-se em parte às ações do Estado, seja diretamente, seja por meio de seus bancos. Também foi decisiva a constatação de que os brasileiros estavam com suas contas pessoais relativamente em ordem -- a anos-luz de distância do imbróglio do subprime americano. O equilíbrio não se deve à frugalidade dos hábitos, e sim ao fato de que o crédito no Brasil há muito tempo tem um custo exorbitante e é escasso. Isso mantém consumidores e empresas relativamente mais cautelosos quanto ao uso de dinheiro alheio. Aqui, ao contrário dos países mais avançados, a preferência é por investir menos, mas com dinheiro próprio. É uma estratégia que restringe o crescimento -- mas que, na hora do aperto, tornou-se um trunfo. Também é reduzida a exposição do país aos riscos do comércio exterior. Como o mercado brasileiro ainda é relativamente protegido, a soma das exportações e importações representa menos de um quinto do PIB -- em países como a Coreia é da ordem de 90%.
Será que os problemas de antes realmente viraram solução? Em meio à euforia das boas notícias econômicas, é bom tomar cuidado com algumas conclusões tortuosas -- ou no mínimo apressadas. Uma coisa é enfrentar uma crise. Outra, bem diferente, é construir as bases de uma economia moderna. Violar essa linha de raciocínio leva à conclusão de que traços que foram qualidades na crise merecem ser reforçados agora. Aí é que mora o perigo. "É óbvio que o setor público ajudou, mas essa visão glorifica problemas nossos", diz Alexandre Schwartsman, economista-chefe do banco Santander. "Se colocarmos um gordo e um magro em situação de inanição, não há dúvida de que o sujeito mais robusto terá mais chance de sobreviver. Nem por isso algum médico recomendaria ficar gordo para se prevenir de uma morte por falta de comida." Se a ação do governo funcionou nas circunstâncias atuais, também é fato que, antes, atrapalhou muito -- e continuará a fazê-lo no futuro. O país não estaria melhor se tivesse crescido com mais vigor no passado, o que seria possível se empresas e trabalhadores não fossem tão sobrecarregados pelo peso estatal?
Mais uma conclusão errada a ser evitada é a de que a abertura da economia ao exterior é um mal. "Um mercado fechado é uma faca de dois gumes", afirma o economista inglês John Williamson, criador do termo Consenso de Washington para batizar o conjunto de medidas de estabilização recomendadas a países da América Latina. "O país fica menos propenso a sofrer impactos de uma crise externa, mas tem dificuldade de se aproveitar dos momentos bons." Isso já ficou patente com a capacidade de crescer que as economias mais abertas da Ásia demonstraram. O fato de agora, por um ou dois anos, sofrerem mais que o Brasil, não justificaria jogar suas políticas vencedoras por décadas na lata de lixo. Ter um mercado interno forte -- este sim um atributo do Brasil que fez diferença e vale ser estimulado -- é uma coisa. Dar as costas para o mundo é outra, bem diferente. Nesse aspecto, como em outros, é bom ter cuidado para não tirar conclusões erradas.
Empate por zero a zero não é resultado que a torcida brasileira goste de comemorar. Mas, no campo da economia, o fato de o Brasil ter atravessado um ano de turbulência financeira global sem crescimento virou motivo de celebração. Afinal, o desempenho é notavelmente melhor que o conseguido em confusões passadas e também superior ao de muitos outros países, em particular os desenvolvidos. Melhor ainda, os indicadores mostram que estamos a caminho de marcar uma goleada em 2010. Na busca das razões de nosso relativo sucesso em 2009, é curioso notar que itens normalmente associados à lista de problemas nacionais -- gigantismo do governo, voluntarismo dos bancos oficiais, taxas de juro nas alturas, baixo volume de crédito, baixa participação do setor externo na economia -- de repente mudaram de coluna e passaram a ser incluídos nas soluções. Nada explicita melhor a reviravolta no terreno das ideias econômicas do que o debate sobre o Estado. Hoje é consenso que o bom resultado do Brasil em 2009 deve-se em parte às ações do Estado, seja diretamente, seja por meio de seus bancos. Também foi decisiva a constatação de que os brasileiros estavam com suas contas pessoais relativamente em ordem -- a anos-luz de distância do imbróglio do subprime americano. O equilíbrio não se deve à frugalidade dos hábitos, e sim ao fato de que o crédito no Brasil há muito tempo tem um custo exorbitante e é escasso. Isso mantém consumidores e empresas relativamente mais cautelosos quanto ao uso de dinheiro alheio. Aqui, ao contrário dos países mais avançados, a preferência é por investir menos, mas com dinheiro próprio. É uma estratégia que restringe o crescimento -- mas que, na hora do aperto, tornou-se um trunfo. Também é reduzida a exposição do país aos riscos do comércio exterior. Como o mercado brasileiro ainda é relativamente protegido, a soma das exportações e importações representa menos de um quinto do PIB -- em países como a Coreia é da ordem de 90%.
Será que os problemas de antes realmente viraram solução? Em meio à euforia das boas notícias econômicas, é bom tomar cuidado com algumas conclusões tortuosas -- ou no mínimo apressadas. Uma coisa é enfrentar uma crise. Outra, bem diferente, é construir as bases de uma economia moderna. Violar essa linha de raciocínio leva à conclusão de que traços que foram qualidades na crise merecem ser reforçados agora. Aí é que mora o perigo. "É óbvio que o setor público ajudou, mas essa visão glorifica problemas nossos", diz Alexandre Schwartsman, economista-chefe do banco Santander. "Se colocarmos um gordo e um magro em situação de inanição, não há dúvida de que o sujeito mais robusto terá mais chance de sobreviver. Nem por isso algum médico recomendaria ficar gordo para se prevenir de uma morte por falta de comida." Se a ação do governo funcionou nas circunstâncias atuais, também é fato que, antes, atrapalhou muito -- e continuará a fazê-lo no futuro. O país não estaria melhor se tivesse crescido com mais vigor no passado, o que seria possível se empresas e trabalhadores não fossem tão sobrecarregados pelo peso estatal?
Mais uma conclusão errada a ser evitada é a de que a abertura da economia ao exterior é um mal. "Um mercado fechado é uma faca de dois gumes", afirma o economista inglês John Williamson, criador do termo Consenso de Washington para batizar o conjunto de medidas de estabilização recomendadas a países da América Latina. "O país fica menos propenso a sofrer impactos de uma crise externa, mas tem dificuldade de se aproveitar dos momentos bons." Isso já ficou patente com a capacidade de crescer que as economias mais abertas da Ásia demonstraram. O fato de agora, por um ou dois anos, sofrerem mais que o Brasil, não justificaria jogar suas políticas vencedoras por décadas na lata de lixo. Ter um mercado interno forte -- este sim um atributo do Brasil que fez diferença e vale ser estimulado -- é uma coisa. Dar as costas para o mundo é outra, bem diferente. Nesse aspecto, como em outros, é bom ter cuidado para não tirar conclusões erradas.
Amatemática está se tornando cada vez mais difundida na economia. Para que fique registrado: na hora certa, entre adultos e de comum acordo, eu também uso matemática. Há boas e más razões para empregá-la a serviço da economia. Só que até agora as más prevaleceram. Isso não teria muita importância se os formuladores de políticas não levassem a economia tão a sério. Quase nenhum deles liga para loucuras da teoria literária, por exemplo. Mas a economia tem importância e, nas fronteiras da disciplina, uma mudança sutil mas profunda está ocorrendo. A economia está começando a se tornar mais realista, enraizada em instituições, em história, no mundo real, e, por conseguinte, mais útil. Foi assim, aliás, que a economia começou. Na época ela não era chamada de "economia", mas de "economia política", simbolizando o fato de que economias não existem independentemente de sistemas e instituições políticos.
Adam Smith fundou, sozinho, a disciplina de economia há cerca de 200 anos, e sua influência é grande até os dias de hoje. Mas seu livro seminal, A Riqueza das Nações, não contém nenhuma equação. Em vez disso, Smith emprega argumentos cuidadosamente construídos, apoiados numa profusão de evidências históricas. O corretor de ações inglês David Ricardo, autor de Princípios da Economia Política e Tributação (1817), é menos conhecido, mas a teoria econômica- padrão de comércio ainda se baseia em sua obra. Mais de um século depois, duas figuras de extremos opostos do espectro político fizeram contribuições de largo alcance à economia. John Maynard Keynes estudou matemática em Cambridge e depois passou para a economia. Friedrick Hayek, a inspiração intelectual para o thatcherismo, tinha insights profundos em psicologia e também em economia. Ricardo, Keynes, Hayek e uma série de outras figuras-chave evitaram deliberadamente a matemática. Eles preferiram usar argumentos ponderados respaldados em evidências.
Como foi, então, que a matemática se tornou tão presente na economia, quando tanta coisa foi alcançada sem ela? A pior razão é que o emprego da matemática faz com que os economistas se sintam como verdadeiros cientistas. Eles têm "inveja da física". Os físicos usam a matemática (tente fazer física quântica só com palavras), e são cientistas de verdade, que realmente explicaram como uma porção de coisas funciona. Portanto, se usarmos a matemática, isso nos fará verdadeiros cientistas, não é? Bem, o erro lógico desta última frase é bastante óbvio. Mas ele não impede a satisfação íntima que a maioria dos economistas sente quando cobre a página de símbolos matemáticos.
Há uma razão mais séria e mais danosa para a matemática, ao menos um tipo particular de matemática, ser usada em economia. Ela está inextricavelmente ligada ao conceito de "homem econômico". A economia é basicamente uma teoria sobre o comportamento dos indivíduos. E a história- padrão não só supõe que os indivíduos são movidos pelo interesse próprio, mas que eles se comportam como algum tipo de supercomputador -- sempre recolhendo cada pedaço de informação relevante para uma decisão. Esses indivíduos tomam então a melhor decisão possível com base nas opções disponíveis. Não apenas uma boa decisão, mas a melhor. Ou, como economistas gostam de dizer, ótima.
Essa ainda é a base para o ensino de economia na universidade. Mas, paradoxalmente, foi precisamente o emprego da matemática na economia que solapou essa visão do mundo. É também uma razão por que a disciplina está avançando dramaticamente. A matemática pode ser muito útil em economia desde que a pensemos como uma simples ferramenta entre muitas. Ela é uma ferramenta que pode nos ajudar no pensamento lógico. É como outra linguagem -- ela pode nos ajudar a encontrar nosso rumo.
Mas pioneiros como os vencedores do Nobel de 2001 George Akerlof e Joseph Stiglitz avançaram o tema nos anos 70. Eles perceberam que algo mais era necessário, por isso abandonaram a ideia de que as pessoas têm uma informação perfeita quando tomam decisões. Eles desenvolveram o conceito de "racionalidade limitada": embora possamos tentar tomar a melhor decisão, podemos não conseguir em razão da falta de informações vitais. Assim, num mundo de racionalidade limitada, as pessoas que se comprazem em comida vagabunda ou fumam pesadamente não são vistas necessariamente como tomando a melhor decisão possível para elas. O trabalho de Akerlof e Stiglitz representou um passo adiante enorme para tornar a economia mais realista.
Daniel Kahneman e Vernon Smith, vencedores do Nobel de 2002, deram passos ainda mais largos. Eles entraram efetivamente no mundo e conduziram experimentos para ver como as pessoas de fato se comportam. Observando e deduzindo, como cientistas de verdade! Descobriram que, na maior parte do tempo, as pessoas não se comportam como o homem econômico. Em sua palestra na cerimônia do Nobel, Kahneman afirmou: "A característica central de agentes (pessoas) não é que eles raciocinam mal, mas agem intuitivamente com frequência. E o comportamento desses agentes não é guiado pelo que eles são capazes de computar, mas pelo que enxergam em dado momento".
Em outras palavras, o conceito de um homem econômico racional, calculador, está sendo abandonado. A teoria do homem econômico postula que as pessoas têm todas as informações relevantes para tomar a melhor decisão. Nessa nova abordagem, as pessoas têm -- na melhor hipótese -- uma informação imperfeita. Elas seguem aos trambolhões, tentando tomar decisões racionais, às vezes conseguindo -- mas, com frequência, falhando. As novas abordagens que se desenvolveram para substituir o homem econômico, talvez surpreendentemente, tornaram a economia muito mais dura. Em vez de apenas manipular algumas equações, nós precisamos pensar nas regras de comportamento relevantes. E precisamos recuperar a importância de instituições e da história. Em suma, temos de recuperar a ideia de economia política numa roupagem completamente moderna. Friederick Hayek sofre a desconfiança de muitos, mas há uma verdade profunda em sua observação: "Um economista que é apenas um economista não pode ser um bom economista".
Tudo isso deixa a economia mais humilde. Em vez de pretender passar por uma teoria de comportamento completamente geral -- aplicável a todas as pessoas em todos os tempos e lugares --, a economia é agora muito menos pomposa. Mas, em última instância, essas mudanças servirão para tornar a disciplina mais realista. E potencialmente mais poderosa como uma força para ajudar a compreender e melhorar a condição humana.
A China sob os holofotes-- Ana Luiza Herzog, de Copenhague
0s estudiosos das relações internacionais já soltaram um veredito: 2009 foi mesmo o ano do G20 -- grupo que reúne os países ricos do mundo e os emergentes, como Brasil, China e Índia. Isso não significa, porém, que é essa a configuração de poder global que deverá se manter em 2010 e nos anos vindouros. Tudo indica que, no futuro próximo, as aspirações do planeta estarão sob o jugo não de um grupo de nações, mas do G2: Estados Unidos e China. A prova mais recente disso foi dada no apagar das luzes de 2009, durante as duas semanas da conferência da ONU sobre o clima, realizada em Copenhague. O evento na capital dinamarquesa reuniu cerca de 40 000 pessoas e mais de 120 chefes de Estado e governo. A despeito dessa diversidade de lideranças, durante todo o tempo, as atenções estiveram voltadas sobretudo para os movimentos desses dois países. Afinal, qualquer plano de combate ao aquecimento global torna-se vazio se as duas maiores economias do planeta -- e também as maiores emissoras de gases causadores do efeito estufa -- não quiserem participar.
Durante as duas semanas de duração da COP15, Estados Unidos e China estiveram no centro das discussões o tempo todo, como era esperado. Mas foi a firmeza dos negociadores chineses o que deixou surpresos muitos dos participantes e observadores da reunião. A China, que em 2010 deve tornar-se a segunda maior economia do mundo (e que já é a maior emissora de CO2 do planeta, em termos absolutos), decidiu assumir de vez seu papel de protagonista no cenário da política internacional. Isso começou a ficar claro logo no início da conferência. Desde os primeiros dias, a delegação chinesa se apresentou como a voz do G77, como é conhecido o grupo de cerca de 150 países pobres e emergentes. Os negociadores do país adotaram com convicção o discurso de defesa dos fracos e oprimidos. Os chineses deixaram claro que o preço do combate ao aquecimento global não pode significar a criação de entraves ao desenvolvimento econômico desses países.
Também não foi possível demover o país da oposição a um sistema mundial de verificação do cumprimento das metas, uma das exigências-chave feitas pelo presidente americano, Barack Obama, em sua passagem no dia final da conferência. O discurso americano se apoiava na ideia da prestação de contas. Mas a leitura dos especialistas era diferente. Os Estados Unidos não estão preocupados com o que farão brasileiros, indonésios ou indianos. "A grande questão é a China", diz Nathan E. Hultman, professor da escola de políticas públicas da Universidade de Maryland e membro da Brookings Institution, um renomado instituto de pesquisa americano. "Obama precisa poder dizer aos cidadãos do país, com convicção, que a economia chinesa também está fazendo sacrifícios. Caso contrário, nada feito." Essa queda de braço observada pelo mundo todo, e que muitos acreditam ser um dos principais motivos para a falta do acordo que se esperava de Copenhague, não deixa dúvidas sobre o novo equilíbrio de forças neste começo de milênio.
Não é de hoje que há boas justificativas para o medo americano. Nenhum outro país nutre uma gana de crescer tão grande quanto a China. O país já tem 650 milhões de aparelhos celulares, mais que o dobro que toda a população americana. Passou à frente dos Estados Unidos no mercado que, durante um século, foi sinônimo do seu dinamismo: o automobilístico. A máquina exportadora chinesa permitiu o acúmulo de mais de 2 trilhões de dólares em reservas internacionais. A ditadura asiática é hoje o principal credor dos Estados Unidos. Agora, diante do imperativo de que o mundo se converta à economia de baixo carbono, há prenúncios de que pode ter chegado a hora de a China assumir de vez a dianteira. O país decidiu que não só vai esverdear sua matriz energética -- ainda movida a carvão mineral e, por isso, predominantemente suja --, como vai se tornar o maior exportador de tecnologias limpas do mundo. Na maioria dos países costuma haver um espaço de tempo razoável entre a tomada de uma decisão e sua execução. Na China comunista, esse intervalo é bem mais curto. Há cinco anos, 80% das turbinas eólicas instaladas no país eram produzidas no exterior. Hoje, os fabricantes nacionais já respondem por 75% dessa demanda.
Ao menos publicamente, os Estados Unidos e, sobretudo, a China, rejeitam a ideia de um mundo regido pelo G2. Os chineses afirmam não ter a pretensão de reformar o mundo ou se meter nos problemas alheios. O que os chineses, porém, não negam, é que todas as suas ações são guiadas por um princípio: o de fazer crescer o PIB. E a natureza desse pragmatismo basta para que, cada vez mais daqui para a frente, a exemplo do que ocorreu em Copenhague, a solução para qualquer dilema global passe pelo delicado balé entre esses dois países.
Subscribe to:
Posts (Atom)